terça-feira, 20 de julho de 2010

*Crônica IV*

Não, ele não vai mais dobrar, pode até se acostumar, ele vai viver sozinho... ♪♫ (Cara Valente - Maria Rita)


Desta vez a Brinquedinho não podia ir.
Era assim que, mentalmente, João falava de Flávia. Brinquedinho, desses que realizam as vontades primitivas dele e depois que enjoava, deixava num canto, mas bem ao alcance das mãos. Flávia acreditava que era amada. Aos amigos, e até para os pais, dizia que era o homem certo, que vivia um conto de fadas, mas nunca o trouxera à casa dos pais para apresentá-lo formalmente, "ah, vamos esperar mais um pouco...", dizia ele.
Quando estavam juntos, ele a chamava de 'minha linda' ou, se estivessem em um momento mais íntimo, 'minha delícia', mas o que ele queria mesmo era chamá-la de brinquedinho, certa vez até disse "meu brinquedo hedonístico", como Flávia não sabia o que era hedonístico, ele disse que era algo mágico, e, claro, não era.
Fato é que sempre ela estava ao dispor dele. Se estava na faculdade, mesmo em prova, dava um jeito de sair para vê-lo, se estava em casa, na rua, e até no trabalho, dava qualquer desculpa e ia encontrá-lo, encontrar com o seu príncipe para 'amá-lo' e então, mais uma vez, era usada como João bem desejasse. Mas naquele dia, pela primeira vez depois de quase dois anos, ela disse não.
- Como não? Por que você não pode vir? Não gosta mais de mim?- ele gostava de jogar psicologicamente, então sempre perguntava se ela o amava ainda, e, religiosamente, ela dizia que sim. Porém, dessa vez, a pergunta ficara no ar... Então ela desligou, deixando-o sem resposta.
Agora, na verdade, Flávia havia encontrado algo vitalmente melhor que o 'príncipe', encontrara uma razão maior, encontrara o amor-prório perdido em algum lugar escuso da sua mente adormecida.
Flávia finalmente descobrira que não haviam príncipes, mas os homens não precisavam ser necessariamente sapos. João descobrira que os "brinquedos" têm vida própria e um dia cansam de brincar. Ela descobrira que perdera muito tempo no faz-de-conta, e agora teria que começar com novamente, porém, mais madura e fortalecida. Ele descobrira que perdera a única coisa que realmente fazia sentido, a única que dava cor ao seu dia, a única que era para ele mais importante que tudo. João a tratara como objeto e agora não havia mais como voltar atrás. Ele descobriu, afinal, que tê-la era o que mais queria, mas agora era demasiadamente tarde. Ela se descobriu sem ele. Ele não poderia se descobrir sem ela.

3 comentários:

  1. o.O nossa que coisa mais... Me deixou sem ar! Magnífico!! Acho que na verdade não existem palavras para lhe dar elogios!! Profundamente seu... Amei!!

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  2. Eu que fiquei sem ar com o seu comentário! Muito Obrigada! :D:D

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