Lembrou-se de tudo que havia passado até aquele momento. Lembrou-se do jeito meigo com que ela o olhava, da sua voz macia e doce que era a mais bela canção para ele, do cheiro de flor que tinha os cabelos dela, da maneira como olhava para ele, um olhar de quem exala confiança e suavidade, lembrou-se da maneira que sua amada falava de Deus. Passou pela sua cabeça, agora embranquecida, o primeiro beijo depois do culto do domingo, quando disseram "sim" no altar, a primeira boda, os planos que fizeram (e cumpriram) para o futuro, o primeiro filho, as noites em claro, o segundo filho, dessa vez filha, e mais noites em claro, a bagunça das crianças ( e dele!), o sermão açucarado que vinha em seguida da mãe dos seus filhos, o casamento destes.
Lembrou-se então da velhice, dos netos, dos bisnetos, da sua mulher. "Ah, minha velhinha...", exclamou com angústia, vendo que ela não estava mais ao seu lado, que Deus a havia chamadode volta, sim, ele aceitava esse fato, só não entendia porque ela primeiro e não ele... apenas uma coisa era certa, sendo ela, e não ele, quem sofreria seria ele, e não o contrário, e isso o deixava consolado, saber que o amor de sua vida não sofreria mais. Todas essas recordações, no primeiro dia sem ela, fizeram rolar uma lágrima espessa, tomada de profundos sentimentos, pelo seu rosto marcado pelo tempo e por tantas experiências vividas, mas que trazia em cada ruga daquela um orgulho não ostensivo de quem cumpriu a 'missão' chamada vida com garbo e excelência. Então, fechou os olhos e se voltou para a janela onde murmurou olhando o céu: "adeus, minha velhinha, vai com Deus, meu amor."
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